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No dia 20 de maio, a revista da Associação Americana para o Avanço da Ciência, a Science, publicou um trabalho inédito do grupo do doutor Craig Venter sobre a criação de um organismo artificial ou sintético. O feito é impressionante e representa um marco na ciência por abrir uma série de novas opções na área de Engenharia Genética. Antes, sabíamos como se introduz funcionalmente um ou poucos genes em dado organismo. Agora, podemos sintetizar da forma que mais nos convier todo um genoma, isto é, todo o conteúdo genético de um organismo sintético. Mas será que temos mesmo todo esse poder, ou estamos superestimando um avanço científico importante?
O grupo americano, inicialmente, sintetizou e montou um genoma baseado no código genético de uma dada espécie de micoplasma (o menor genoma celulado), mantido na forma de cromossomo artificial em uma levedura. No desenho do genoma sintético, o grupo removeu alguns genes e introduziu algumas sequências genéticas que identificassem aquele genoma (uma espécie de código de barras genético). Feito isso, os pesquisadores introduziram esse genoma modificado em uma espécie diferente de micoplasma. Após algumas gerações, o genoma sintético substitui totalmente o genoma do hospedeiro e consegue-se a “célula sintética”.

Em termos científicos, o grande feito foi a montagem de todo um genoma de forma sintética. Com cerca de 1.078.809 de pares de bases, o genoma contém um conjunto de genes baseados no conceito de genoma mínimo. Esse conceito é fruto de quinze anos de pesquisa do grupo. São genes que, por comparação entre genomas conhecidos, parecem ser o mínimo necessário para a manutenção de uma célula viva e reproduzindo. A importância desse feito é a ausência de sequências naturais ou inesperadas no genoma proposto, ou seja, tudo ali foi colocado por eles.

Por outro lado, a metodologia de transferência desse genoma para uma célula viva é um feito notável e tecnologicamente complexo. A transferência de genomas completos de forma artificial e a eliminação do genoma da célula hospedeira representam um grande avanço científico, mais até do que a síntese do genoma. Contudo, essa técnica já tinha sido dominada e publicada em 2007 pelo mesmo grupo. Em suma, o marco mais importante dessa estória passou desapercebido pela grande mídia.

Em termos práticos, o que muda? Muito pouco. A sensação de poder criar novos organismos capazes de fazer tudo que o homem ou a natureza não consiga é a mesma daquela que conhecemos quando surgiram as primeiras clonagens de genes em bactérias na década de 70. São as mesmas também todas as questões éticas e ambientais que cercam a liberação de organismos modificados geneticamente, os conhecidos transgênicos (mas agora incluindo também os organismos sintéticos).

Em suma, o impacto fica por aí. Não cabe abordar a questão de que o homem sabe criar vida ou que entenda como se faz uma célula. O que o grupo do doutor Craig Venter fez foi trocar um genoma de uma bactéria por outro (mesmo que sintético). Os fatores celulares epigenéticos continuam lá, o que garante a continuidade da vida na “célula sintética”. Para montar uma célula viva, os genes precisam ser expressos de foram sincronizada e harmônica. A vida é uma propriedade emergente e não pode ser resumida a uma coleção de genes.  É como trocar o motor de um carro em movimento, certamente um feito importante, mas não nos diz nada a cerca de como se faz um carro andar.

Fonte: UnB Agência
Marcelo de Macêdo Brígido é professor do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília, graduado em Ciências Biológicas, mestre em Ciências Biológicas (Bioquímica) e doutor em Bioquímica, tendo preparado parte do trabalho experimental na Tufts University (Boston, EUA). Atualmente. Tem experiência na área de Bioquímica, com ênfase em Biologia Molecular.

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