
Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), Raw tem vasta experiência na área de bioquímica, com ênfase em química de macromoléculas, atuando principalmente nos temas ácidos graxos, metabolismo e enzimas. No auditório do IQ, ele proferiu a palestra “Da Banca à Sociedade”. Antes, porém, Isaias Raw conversou com a equipe de reportagem do Portal.
Portal – O título da palestra tem muito a ver com sua trajetória de vida?
Isaias Raw - Tem. De certa forma sempre dividi minha atividade entre aquilo que era a obrigação ou função na universidade e, ao mesmo tempo, comecei a enxergar fora do curso no qual estava engajado, que na minha visão era mais limitado. No passado o meu interesse estava muito mais na decisão do problema de como se formar mais gente na área de ciências que o Brasil precisava e continua precisando. Isso provocou um impacto importante durante certo tempo da minha vida. A idéia, basicamente, é que o aluno tem que saber usar as mãos para fazer alguma coisa e tirar uma conclusão. Não é importante que ele saiba o nome das coisas, porém, é importante que ele saiba usar a cabeça e examinar evidência, não interessando se essa evidência é química, física ou biológica. É preciso saber interpretar. É preciso ter um juízo crítico. O problema é que essa geração é, por definição, uma geração que considera a ciência como um negócio impossível, chato e complicado e não se interessa pelo assunto. É muito complicado ensinar o valor da ciência para a massa. A prioridade de criar uma massa de gente pensante capaz de formar uma elite tecnológica e, sobretudo, científica é muito importante.
Portal – Em 1987, durante uma entrevista, o senhor afirmou que a biotecnologia no Brasil ainda era ignorante. Como o senhor avalia essa afirmação, passados mais de 20 anos?
Isaias Raw - Em parte continua a mesma coisa, porque uma das fantasias da biotecnologia para quem não sabe e fala, é achar que existe uma matéria prima de graça na natureza e você vai lá e colhe. Não é assim. Talvez uma das maiores besteiras do mundo que os jornais continuamente repetem é que a solução do combustível não poluente é o hidrogênio. Só que eles não falam de onde vão buscar o hidrogênio. Não existe mina de hidrogênio, ele precisa ser fabricado e para isso precisa de energia. Então não é combustível. É a mesma coisa que dizer: falta energia elétrica então nós vamos comprar mais rolos de fio. A idéia, mesmo na sociedade mais educada, é que tudo existe na natureza, Deus fez tudo direitinho e é só chegar lá e buscar. Existem várias fantasias na biotecnologia, entre elas que no Amazonas está tudo pronto. Se tivermos uma pandemia de gripe precisaremos de penicilina e não temos uma fábrica no Brasil. No Brasil não existe indústria que queira fazer tecnologia. Ela quer o pacote pronto e isso a universidade não tem condições de fazer então existe um gargalo que não está equacionado.
Portal – E no campo das vacinas, como está o quadro atual?
Isaias Raw - Vacina é mais complicado porque é um processo que, em geral, leva dez anos. Vacina não é remédio. A vacina que sai do Butantan vacina todas as crianças que nasceram este ano no Brasil. Se alguma besteira for feita matamos todas as essas crianças. No entanto, mesmo as coisas mais simples levam dez anos. Exatamente hoje tenho uma reunião com um pequeno grupo para comemorar uma coisa que desenvolvemos chamada sulfactante pulmonar. A criança que não chora no momento do nascimento tem altas chances de morrer sufocada na frente da mãe. Você tem dez minutos para superar isso. O sulfactante pulmonar age de forma rápida fazendo com que o pulmão abra e a criança respire. O produto existente é muito caro. O sulfactante já foi registrado e estará disponível para o governo ainda esse ano.
Portal - E com relação à dengue?
Isaias Raw - Vamos produzir e testar uma vacina que foi desenvolvida pelo Instituto de Saúde Pública e isso deverá acontecer ainda esse ano.