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Celso FurtadoCom o objetivo de estudar o papel do direito na superação da condição periférica do Brasil, um grupo de professores da Faculdade de Direito (FD) da USP criou, no final do ano passado, o grupo de pesquisa Direito e Subdesenvolvimento: O Desafio Furtadiano.
O desafio citado no nome do grupo refere-se ao pensamento do economista pernambucano Celso Furtado, um dos mais influentes pensadores brasileiros do século passado (veja box no final da matéria). “Celso Furtado coloca como desafio às gerações futuras terminar o processo de construção nacional, com democracia e inclusão social”, afirma Gilberto Bercovici, professor da FD e coordenador do grupo.

O grupo foi criado com o objetivo de pesquisar, sempre tendo como referencial teórico o pensamento de Furtado, quatro temas: “o Brasil e o padrão financeiro internacional”, “a reestruturação do estado desenvolvimentista”, “a cultura do subdesenvolvimento” e “inovação tecnológica e subdesenvolvimento”. Este último é o tema do primeiro estudo realizado pelo grupo, que está em seu início. “A proposta da pesquisa é tentar analisar a legislação de incentivo à inovação tecnológica, que é recente. Avaliar qual o impacto que essa legislação está tendo”, diz Bercovici. Terminada a pesquisa, além de obter um diagnóstico sobre a eficiência das leis, o professor espera que seja possível indicar medidas para aprimorá-las.

A legislação à qual Bercovici se refere é composta basicamente por duas leis: a Lei de Inovação Tecnológica, aprovada em 2004, e a Lei do Bem, de 2005. A primeira foi criada com o objetivo facilitar a interação entre universidades, instituições de pesquisa e setor produtivo, estimulando o desenvolvimento de produtos e processos inovadores pelas empresas brasileiras. Já a Lei do Bem concedeu incentivos fiscais para produtos de alta tecnologia.

Além das pesquisas, o grupo promove cursos de formação, do qual podem participar alunos de dentro e de fora da USP. Nesse semestre estão sendo ministrados dois: um sobre a economia política da inovação tecnológica e outro sobre o pensamento de Karl Marx. No meio do ano o grupo abrirá inscrições para os cursos do semestre que vem. Os temas ainda não estão definidos, mas, de acordo com Bercovici, provavelmente haverá um sobre o pensamento social brasileiro e outro sobre a questão territorial urbana.

Constituição
Para Bercovici, um bom exemplo de como o direito influencia o destino econômico do país encontra-se na própria constituição brasileira. Segundo ele, o texto da carta é claramente desenvolvimentista. “Boa parte das ideias de Celso Furtado está na Constituição. Ela incorpora, como objetivo da república, a superação do subdesenvolvimento e a redução das desigualdades. A ordem econômica é toda estruturada a partir da soberania nacional, da função social da propriedade e da redução das desigualdades sociais e regionais.”

O artigo 219, por exemplo, diz que “o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País”. Segundo Bercovici, essa passagem é totalmente coerente com uma das ideias centrais do pensamento de Furtado, a da necessidade de internalização dos centros de decisão econômica. Isso significa que o controle sobre os desígnios da economia deve ser trazido para setores internos do país. 

Mas a lei também pode impedir avanços. Para o professor, isso acontece claramente na Constituição de 1947, que afirmava a necessidade da reforma agrária ao mesmo tempo em que colocava entraves para a sua realização. “O texto acenava com a possibilidade de haver uma reforma agrária, mas previa a necessidade de indenização em dinheiro [para os latifundiários].”

Celso Furtado
Celso Monteiro Furtado nasceu em Pombal, na Paraíba, no ano de 1920. Formou-se em direito e começou a estudar economia “de maneira sistemática”, como ele próprio definiu, apenas aos 26 anos de idade. Em um depoimento, atribuiu a esse contato tardio sua visão meramente instrumental da economia, que considerava um meio para a promoção do desenvolvimento e a resolução dos problemas sociais. “Pouca influência teve a economia, portanto, na conformação do meu espírito. Nunca pude compreender a existência de um problema ‘estritamente econômico’.”

O seu pensamento enquadra-se no que se convencionou chamar de desenvolvimentismo, corrente que afirmava ser a industrialização o principal caminho para superação do subdesenvolvimento nos países latinoamericanos. Algumas de suas obras, como Formação Econômica do Brasil e Dialética do Desenvolvimento, tornaram-se clássicos do pensamento econômico brasileiro.

Furtado não foi apenas um teórico, exerceu inúmeros cargos públicos durante a sua vida. Entre 1949 e 1957 integrou a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão da ONU que reunia alguns dos mais importantes teóricos desenvolvimentistas do continente. Durante o governo de João Goulart, foi ministro do Desenvolvimento e dirigiu a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Após o golpe de 1964, teve seus direitos políticos cassados por dez anos e exilou-se no exterior, voltando ao país apenas em 1979. Seu último cargo público foi ocupado durante o governo de José Sarney, quando foi ministro da Cultura. Celso Furtado faleceu em 2004, no Rio de Janeiro.

Assessoria de Imprensa da USP