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A ciência brasileira precisa ser mais corajosa e mais ousada se quiser crescer em relevância no cenário internacional. A afirmação foi feita por Marcia McNutt, editora-chefe da revista Science, em entrevista ao O Estado de S.Paulo. Segundo McNutt, é preciso arriscar para fazer grandes descobertas. Correr riscos e aceitar a possibilidade de fracasso devem ser encarados como parte natural do processo científico.
“Quando as pessoas são penalizadas pelo fracasso, ou são ensinadas que fracassar não é um resultado aceitável, elas deixam de arriscar”, disse McNutt. E quem não arrisca produz apenas ciência incremental, de baixo impacto.

Leia a seguir a entrevista:

‘A ciência brasileira tem de ser mais ousada’

Responsável por uma das maiores revistas científicas do mundo diz que é preciso arriscar para fazer grandes descobertas

29 de novembro de 2013

Herton Escobar, enviado especial/Rio - O Estado de S.Paulo

A ciência brasileira precisa ser mais corajosa e mais ousada se quiser crescer em relevância no cenário internacional, segundo Marcia McNutt, editora-chefe da Science, uma das maiores revistas científicas do mundo. Para criar essa coragem, diz ela, é preciso aprender a correr riscos e aceitar a possibilidade de fracasso como parte natural do processo científico.

“Quando as pessoas são penalizadas pelo fracasso, ou são ensinadas que fracassar não é um resultado aceitável, elas deixam de arriscar”, argumenta Marcia. E quem não arrisca, diz ela, não produz grandes descobertas – produz apenas ciência incremental, de baixo impacto, que é o perfil geral da ciência brasileira atualmente.

Marcia conversou com o Estado no Fórum Mundial de Ciência, que terminou anteontem no Rio.

O que os cientistas brasileiros precisam fazer para publicar mais trabalhos em revistas de alto impacto, como a Science?
A mesma coisa que todo mundo faz. A Science só publica uma fração muita pequena, em torno de 5%, dos trabalhos que são submetidos à revista; então, é um desafio para qualquer cientista. O que eu costumo dizer é que nem todo trabalho científico é adequado para publicação na Science. O trabalho tem de ser original e revolucionário (groundbreaking) dentro de sua própria área, mas também tem de ser interessante para outras áreas do conhecimento.

Uma autocrítica que é feita pelos pesquisadores brasileiros é que nossa cultura científica e nosso sistema acadêmico estimulam as pessoas a produzir trabalhos mais simples e “seguros”, no sentido de garantir um resultado para publicação ao final de cada projeto ou de cada bolsa.
Esse tipo de estratégia não produz grandes resultados científicos. É uma estratégia segura, incremental, que vai avançar a ciência do país pouco a pouco, mas não vai influenciar radicalmente o panorama da ciência global, porque é muito conservadora, não é ousada.

É possível ser ousado com pouco dinheiro?
Não dá para colocar um preço em ousadia. É mais um estado de espírito, uma forma de questionar, elaborar perguntas e conduzir experimentos. Você pode gastar muito dinheiro num trabalho puramente incremental ou pode gastar pouco para conseguir fazer um experimento revolucionário.

Como é que se cultiva essa ousadia científica?
Ser ousado implica assumir riscos, e assumir riscos implica aceitar a possibilidade de fracasso. É importante que a sociedade reconheça o valor de pessoas que já falharam uma vez, falharam de novo, e talvez de novo, até conseguirem chegar ao sucesso.

Então, as instituições e agências de fomento têm de aceitar o fracasso como um componente intrínseco do processo científico?
Sim, é assim que a ciência avança. Você apresenta suas ideias e os outros tentam derrubá-las. É só porque somos capazes de descartar hipóteses que sabemos que algo está errado e que outra coisa deve estar certa. O fracasso, portanto, é um componente importante do avanço da ciência, porque mostrar que algo está errado faz parte do processo científico de determinar o que está certo.

E como trabalhar isso dentro da academia?
É importante que os mentores (orientadores) ajudem os jovens pesquisadores a avaliar quando vale a pena arriscar, e que tipo de risco vale a pena correr. Você não quer que alguém invista cinco anos numa pesquisa de doutorado e não tenha uma publicação no final para defender sua tese. O que você quer é que eles comecem a assumir pequenos riscos ao longo da pós-graduação, de modo que eles aprendam com essa experiência e se sintam confiantes para assumir riscos maiores no futuro.

Agência FAPESP