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Um grupo de cientistas brasileiros conseguiu, pela primeira vez, gerar um emaranhamento quântico de três feixes de luz de cores diferentes. O feito deverá ajudar a compreender as características do emaranhamento, considerado pelos cientistas como base para futuras tecnologias como computação quântica, criptografia quântica e teletransporte quântico.
Fenômeno intrínseco da mecânica quântica, o emaranhamento permite que duas ou mais partículas compartilhem suas propriedades mesmo sem qualquer ligação física entre elas.

De acordo com os autores do estudo, publicado nesta quinta-feira (17/9) no site Science Express, da revista Science, a possibilidade de alternar o emaranhamento entre as diferentes frequências de luz poderá ser útil para protocolos avançados de informação quântica.

O grupo, que reúne pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e brasileiros do Instituto Max Planck e da Universidade de Relangen-Nuremberg, na Alemanha, teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular. Os cientistas também fazem parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica (INCT-IQ).

A descoberta fez parte da tese de doutorado de Alessandro de Sousa Villar e pela qual ganhou o Prêmio Capes de Teses 2008 na categoria Física, além do prêmio Professor José Leite Lopes, outorgado pela Sociedade Brasileira de Física. Villar, que teve apoio da FAPESP na modalidade Bolsa de Doutorado, é pesquisador do Instituto Max Planck e da Universidade de Erlangen-Nuremberg, ambos na Alemanha.

De acordo com o autor principal do estudo, Paulo Nussenzveig, do Instituto de Física da USP, a possibilidade de gerar o emaranhamento de três feixes de luz diferentes havia sido prevista pela mesma equipe há três anos, mas ainda não havia sido demonstrada experimentalmente. Dos três feixes, apenas um estava na porção visível do espectro e dois no infravermelho.

“Em 2005, medimos pela primeira vez o emaranhamento em dois feixes, comprovando uma previsão teórica feita por outros grupos em 1988. A partir daí, percebemos que a informação presente no sistema era mais complexa do que imaginávamos e, em 2006, escrevemos um artigo teórico prevendo o emaranhamento de três feixes, que conseguimos demonstrar agora”, disse Nussenzveig à Agência FAPESP.

O cientista explica que, para realizar o estudo, o grupo utilizou um experimento conhecido como oscilador paramétrico óptico (OPO), que consiste em um cristal especial disposto entre dois espelhos, sobre o qual é bombeada uma fonte de luz.

“O que esse cristal tem de especial é sua resposta à luz, que é não-linear. Com isso, podemos introduzir no sistema uma luz verde e ter como resultado uma luz infravermelha, por exemplo”, explicou. Segundo ele, os OPO com onda contínua, empregados no estudo, são utilizados desde a década de 1980.

Enfrentando diversas dificuldades e surpresas, ao lidar com fenômenos até então desconhecidos, os cientistas conseguiram “domar” o sistema para observar o emaranhamento de três feixes com comprimentos de onda diferentes. Durante o experimento, descobriram ainda um efeito importante: a chamada morte súbita do emaranhamento também ocorria no caso estudado.

Segundo Nussenzveig, um estudo coordenado por Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado na Science em 2007, mostrou que o emaranhamento quântico podia desaparecer repentinamente, “dissolvendo” o elo quântico entre as partículas – o que poderia comprometer a aplicação do fenômeno no futuro desenvolvimento de computadores quânticos.

O efeito, batizado como morte súbita do emaranhamento, já havia sido previsto anteriormente por físicos teóricos e foi observado pela primeira vez pelo grupo da UFRJ em sistemas discretos – isto é, sistemas que têm um conjunto finito de resultados possíveis.

“Para sistemas macroscópicos de variáveis contínuas existem relativamente poucos trabalhos e previsões teóricas. E não existia absolutamente nenhum trabalho experimental. Observamos pela primeira vez algo que não havia sido previsto: a morte súbita em variáveis contínuas. Isso significa que trata-se de um efeito global coletivo”, disse. 

Coração da física quântica

De acordo com outro autor do estudo, Marcelo Martinelli, também professor do Instituto de Física da USP, o emaranhamento quântico é a propriedade que distingue as situações quânticas das situações nas quais os eventos obedecem às leis da física clássica.

“Essa propriedade é verificada por meio de correlações que são diferentes das que ocorrem no mundo da física clássica. Quando jogamos uma moeda no chão, na física clássica, se temos a coroa voltada para cima, temos a cara voltada para baixo. No mundo quântico, esse resultado tem diferentes graus de liberdade e ângulos de correlação”, explicou.

Segundo Martinelli, o emaranhamento já havia sido muitas vezes verificado em sistemas discretos, ou entre dois ou mais sistemas no domínio de variáveis continuas. Mas, quando havia três ou mais sub-sistemas, o emaranhamento gerado era sempre de feixes de luz da mesma cor.

“Isso é interessante, porque abre caminho para que possamos, a partir de um sistema que interage com uma certa frequência do espectro eletromagnético, transferir suas propriedades quânticas para outro sistema – seria o chamado teletransporte quântico”, disse o cientista, que coordena o projeto de Auxílio Regular “Teletransporte de informação quântica entre diferentes cores”, apoiado pela FAPESP.

De acordo com Martinelli, seria possível fazer isso utilizando feixes de emaranhamento como veículo para transformar a informação. “Mas, se só pudermos lidar com variáveis da mesma cor, a informação quântica do primeiro só passaria para um segundo e um terceiro sistema se todos eles atuarem na mesma freqüência. O nosso modelo permitiria fazer a transferência de informação quântica entre diferentes faixas do espectro eletromagnético”, explicou.

Ao observar pela primeira vez a morte súbita de emaranhamento em um sistema de variáveis contínuas, o grupo conseguiu novas informações sobre a natureza do fenômeno.

Martinelli explica que todo sistema que interage com a natureza apresenta perdas, gradualmente. Uma chaleira em contato com o ambiente esfria continuamente até atingir o equilíbrio térmico com a temperatura externa. Mas esse processo se dá de forma exponencial e só estaria completo em um período de tempo infinito. Na prática, a chaleira sempre estará um pouco mais quente que o ambiente.

“No entanto, no caso do emaranhamento, a sua interação com o ambiente nem sempre segue esse decaimento exponencial. Eventualmente ele desaparece em um tempo finito – o que caracteriza a chamada morte súbita. Vimos que isso também ocorre para variáveis contínuas e, ajustando os parâmetros de operação do nosso OPO, conseguimos controlar essa morte súbita”, disse.

Segundo ele, essa descoberta é importante para que um dia se faça transporte de informação quântica. “Se enviarmos essa informação por fibra óptica, por exemplo, não podemos perder o emaranhamento no sistema mediante perdas na propagação. Se a informação quântica passar a ter um papel central na tecnologia da informação, a compreensão da dinâmica da morte súbita e do emaranhamento serão ainda mais fundamentais”, disse.

Além de Villar, Nussenzveig e Martinelli, participaram do estudo Antônio Sales Oliveira Coelho e Felippe Alexandre Silva Barbosa, ambos estudantes de pós-graduação do Instituto de Física da USP, e Katiúscia Cassemiro, do Instituto Max Planck, na Alemanha.

O artigo Three-Color Entanglement, de Paulo Nussenzveig e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.scienceexpress.org.
 
Agência FAPESP