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Segundo maior bioma sul-americano (depois da Floresta Amazônica), o Cerrado é o ambiente de savana com maior biodiversidade no mundo – e está desaparecendo rapidamente. Até os anos 1960, o Cerrado se manteve bastante preservado, mas fatores como a expansão acelerada da pecuária e da fronteira agrícola levaram o bioma a ter atualmente apenas 21% de sua vegetação original intacta, segundo a Conservação Internacional. 
A vegetação do Cerrado é composta por gramíneas, arbustos e árvores esparsas. São plantas adaptadas a sobreviver durante os longos períodos de estiagem que caracterizam a estação seca. Quando chegam as primeiras chuvas, no entanto, tudo muda e o Cerrado floresce. As sementes dos mais diversos gêneros e famílias de plantas típicas do bioma germinam ao mesmo tempo, como se fossem os instrumentos de uma grande orquestra tocando em uníssono.

Um estudo feito na Universidade Estadual Paulista (Unesp) revela as diferentes estratégias dos diversos grupos de plantas do Cerrado para frutificar e dispersar, ao longo do ano, sementes que germinam com a chegada das chuvas. Resultados do trabalho foram publicados nos Annals of Botany

Em regiões tropicais com clima sazonal, a disponibilidade de água no solo é o principal fator que limita o estabelecimento e o crescimento de mudas. “Em ecossistemas tropicais sazonais, o tempo em que as sementes germinam é regulado pela relação entre a fenologia de frutificação e a dormência das sementes”, disse o biólogo colombiano Diego Fernando Escobar, primeiro autor do artigo e doutorando no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, com bolsa da FAPESP.

Em geral, espécies que dispersam sementes no início da estação chuvosa possuem sementes não dormentes, que germinam rapidamente se o teor de umidade do solo for adequado. Sementes dispersas no fim da estação chuvosa e início da estação seca – período em que as condições climáticas para o estabelecimento das plântulas (embriões vegetais) são inadequadas – entram em estado de dormência, preservando propriedades germinativas para a chegada da próxima estação chuvosa.

“A relação entre a fenologia de frutificação e a dormência nos trópicos foi testada no nível comunitário para os ecossistemas florestais, mas os estudos nas savanas são escassos, restritos a certos clados [ramos da árvore filogenética], dificultando a compreensão dos padrões gerais de regeneração para esse hotspot de biodiversidade”, disse Escobar.

“Além disso, tais estudos não consideram diferentes classes de dormência e síndromes de dispersão. A relação entre as classes de dormência e as características de história de vida das espécies [como as diferentes épocas de dispersão e as características das sementes] não são totalmente compreendidas para as savanas”, disse Escobar.

“Buscamos verificar se o padrão de frutificação, dispersão e germinação de sementes no Cerrado correspondia ao que ocorre em outros ecossistemas tropicais sazonais”, disse.

Embora a dormência das sementes seja considerada o principal mecanismo de controle do momento da germinação das sementes em ecossistemas sazonais, alguns estudos sugerem que a germinação das sementes é controlada tanto pela dormência como pelo período de dispersão das sementes. “Foi exatamente isso o que conseguimos verificar”, disse Escobar.

O estudo foi feito sob orientação da professora Patricia Morellato, chefe do Laboratório de Fenologia, Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro, e colaboração do professor Fernando Augusto de Oliveira e Silveira, do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Minas Gerais.

Dispersão de sementes

Escobar coletou sementes de plantas dispersas entre março de 2015 e março de 2016, com intervalos regulares de 15 dias entre cada coleta. Foram reunidas sementes de 34 espécies pertencentes a 28 gêneros e 16 famílias, incluindo 31 espécies lenhosas e três herbáceas.

Foram coletados frutos de pelo menos 10 indivíduos de cada espécie, com exceção de pau-terra (Qualea dichotoma), ucuuba-vermelha ou ucuuba-do-cerrado (Virola sebifera) e pau-santo (Kielmeyera coriacea), para os quais se coletou frutos de apenas um indivíduo por espécie.

O objetivo foi determinar a proporção de espécies com dormência na comunidade de Cerrado e os fatores climáticos e da história natural associados com a dormência.

Descobriu-se que as proporções de espécies dormentes e não dormentes do Cerrado eram semelhantes (47,1% e 52,9%, respectivamente). Uma vez que os dados de germinação foram tabulados, passou-se para a segunda fase do trabalho: identificar qual a época em que as diversas espécies frutificam e dispersam sementes.

“Os padrões de frutificação do Cerrado são caracterizados pela produção de frutos maduros ao longo do ano, mas uma grande proporção de espécies frutifica ao final da estação seca e início da estação chuvosa”, explicou Escobar.

Entre as espécies estudadas, 38,2% dispersaram sementes durante a estação chuvosa, 14,7% na transição entre a chuva e a seca, 20,6% na estação seca e 26,5% na transição seco para chuvoso. Isso só foi possível graças a um banco de dados com informações relativas à fenologia da frutificação das plantas do Cerrado.

Essas informações da fenologia têm sido coletadas desde 2004 e foram reunidas ao longo de 14 anos de pesquisa apoiadas pela FAPESP em uma reserva particular no município de Itirapina, no Estado de São Paulo. Mais além, foi determinado o método de dispersão para o qual cada espécie é adaptada.

Há entre as plantas do Cerrado três tipos de dispersão de sementes. As sementes zoocóricas são dispersas pela ação de animais e as anemocóricas pela ação dos ventos. As plantas autocóricas espalham suas sementes sem a ajuda de qualquer agente externo, ou seja, as sementes autocóricas simplesmente caem ao solo ao lado da planta-mãe.

As espécies zoocóricas têm frutos carnosos ou estruturas carnosas envolvendo parcial ou totalmente as sementes. As espécies anemocóricas têm sementes com estruturas adaptadas para aproveitar a força dos ventos. Já as espécies autocóricas não têm estruturas carnosas nem mostram estruturas conhecidas por facilitar a dispersão eólica.

Analisando os dados, Escobar verificou que a zoocoria foi a síndrome de dispersão mais comum entre as plantas do Cerrado de Itirapina (64,7%), seguida por anemocoria (20,6%) e, por fim, a autocoria (14,7%).

Além de determinar quais espécies da reserva de Itirapina apresentam dormência e quais não, os ensaios de germinação em laboratório permitiram determinar as condições de temperatura necessárias para germinar as sementes de cada uma das 34 espécies.

Para os experimentos de germinação, as sementes foram colocadas em placas de Petri com duas camadas de papel de filtro saturado com água destilada sob luz branca 24 horas por dia e até cinco temperaturas constantes (15, 20, 25, 30 e 35 ºC). Para cada espécie, foram testadas entre 120 e 150 sementes para cada temperatura, de acordo com a disponibilidade de sementes.

A germinação foi determinada pela curvatura da radícula ou protrusão das estruturas aéreas. Os experimentos foram monitorados três vezes por semana durante um mês, após o qual a germinação foi monitorada semanalmente por um período máximo de 12 meses ou até que a curva de germinação fosse estabilizada.

A temperatura ótima de germinação para cada espécie foi determinada como a temperatura ou matriz de temperaturas com maior porcentagem de germinação e taxa de germinação. A temperatura ótima para germinação das sementes da maioria das espécies ficou entre os 25 ºC e os 30 ºC.

“Os experimentos de germinação indicaram que o momento da germinação das sementes na comunidade do Cerrado é controlado tanto pela estação de dispersão (início da estação chuvosa) quanto pela dormência, diferindo de outros estudos em ecossistemas sazonais, incluindo savanas, que reconhecem a dormência como principal mecanismo de controle da germinação”, disse Escobar.

A maioria das espécies germinou no início da estação chuvosa e tanto a estação de dispersão quanto a dormência das sementes controlaram o tempo de germinação das sementes.

A probabilidade de uma espécie estar dormente dependia da interação entre estação e tipo de dispersão, onde espécies com dispersão limitada (autocoria) tendiam a estar dormentes – enquanto espécies com dispersão de sementes a maiores distâncias (anemocoria e zoocoria) tendiam a ficar dormentes se houvesse dispersão durante a transição da chuva para a seca.

“A dispersão durante a transição entre a chuva e a seca favorece a evolução da dormência das sementes, pois as condições ambientais são favoráveis à germinação, mas não ao estabelecimento de plântulas”, explicou Morellato.

Evitar a germinação durante a estação seca é uma vantagem à qual todas as plantas do Cerrado se adaptaram. No estudo, todas as espécies que dispersaram sementes próximas ao início da estação seca apresentaram sementes dormentes independentes da taxonomia ou da síndrome de dispersão. Por outro lado, a dormência em espécies autocóricas pode estar relacionada à diminuição da competência entre mudas irmãs, distribuindo o risco de mortalidade das plântulas ao longo do tempo.

“Sabemos agora que a fenologia [estudo das relações entre processos ou ciclos biológicos e o clima] da frutificação e germinação de sementes das plantas no Cerrado não segue exatamente os padrões encontrados em outros ecossistemas tropicais sazonais. Trata-se do primeiro estudo abrangente abordando a ecologia da dormência de sementes em uma comunidade de Cerrado, visando avaliar a relação entre fenologia de frutificação e dormência de sementes e como esta relação é modulada por classes de dormência, síndromes de dispersão e massa de sementes e umidade”, disse Morellato.

Segundo a professora da Unesp, além de mostrar padrões de fenologia de frutificação e germinação em nível de comunidade no Cerrado, os resultados do estudo esclarecem como as classes de dormência são moduladas pela interação entre estação e síndrome de dispersão, permitindo uma melhor compreensão da evolução das sementes.

“Uma consequência das conclusões do estudo é que, nos casos de tentativas de restauração ecológica do Cerrado com suas espécies nativas, esta precisa ser feita levando em conta a época do ano. Se não for assim, não vai funcionar. As sementes ou não irão germinar ou as plântulas vão morrer antes de terem tempo de estender raízes e acumular recursos para sobreviver na estiagem”, disse Morellato.

O artigo Timing of seed dispersal and seed dormancy in Brazilian savanna: two solutions to face seasonality, de Diego F. E. Escobar, Fernando A. O. Silveira e Leonor Patricia C. Morellato, está disponível em: academic.oup.com/aob/article-abstract/121/6/1197/4841709?redirectedFrom=fulltext.

Agência FAPESP