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Uma nova tecnologia que promete aumentar a capacidade de armazenamento dos discos de memórias magnéticas dos computadores se parece um pouco com o velho hábito de amarrar um barbante no dedo para não esquecer algo importante. No lugar de laços visíveis, porém, a ideia é usar certas propriedades das partículas atômicas para criar intricados padrões geométricos em materiais utilizados em componentes de microeletrônica. Esses padrões são os chamados estados topológicos da matéria. Eles começaram a ser criados em laboratório e estudados em detalhe nos últimos anos, graças ao avanço proporcionado por trabalhos publicados nos anos 1970 e 1980 e premiados este ano com o Nobel de Física.

A ideia é um pouco abstrata. Os átomos e algumas das partículas que os formam, como os elétrons, apresentam uma propriedade chamada spin, que se comporta como a agulha imantada de uma bússola. Sob a ação de um campo magnético, os spins dessas partículas se alinham em um mesmo sentido e geram um padrão geométrico simples. Já faz alguns anos, físicos e engenheiros vêm desenvolvendo formas de alterar as direções dos spins para criar padrões geométricos mais complexos conhecidos como skyrmions, que lembram um turbilhão ou redemoinho.

Os físicos se interessam pelos skyrmions porque o padrão que formam é tão difícil de desfazer quanto um nó cego em um barbante. Estudos teóricos e experimentais indicam que eles podem resistir a variações de temperatura e de campos eletromagnéticos a que estão submetidos os componentes microeletrônicos. Os skyrmions parecem se manter até mesmo quando há impurezas ou defeitos nos materiais em que eles se formam. Essa robustez é atraente porque poderia proteger as informações codificadas nos spins de um apagamento involuntário, provocado por alterações na temperatura ou interferências magnéticas.

Por terem menos de 1 nanômetro (milionésimo de milímetro), os skyrmions poderiam, segundo alguns pesquisadores, ser inseridos entre padrões mais simples de spins. Assim, permitiriam preservar de perturbações magnéticas as informações codificadas nos spins na forma de números binários – zero ou um. Os skyrmions funcionariam, então, como uma espécie de vírgula em uma frase, separando sequências de spins que apontam em direções opostas.

Imagina-se que seja possível gravar essas informações em filmes de um material magnético que, exceto pelas dimensões nanométricas, lembrariam as fitas cassete usadas no passado para gravar músicas. Cerca de 100 vezes menores do que os domínios magnéticos, os blocos elementares de informação dos discos rígidos atuais, os skyrmions devem permitir armazenar 100 vezes mais informação do que uma memória magnética convencional. “Uma tecnologia baseada nos skyrmions ainda deve demorar alguns anos para ser desenvolvida”, afirma o físico teórico José Carlos Egues, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador responsável pelo projeto de pesquisa Isolantes topológicos e férmions de Majorana, apoiada pela FAPESP.

Até agora os pesquisadores de outros grupos só conseguiram criar skyrmions em laboratório usando materiais pouco convencionais, que apresentam estruturas cristalinas complicadas de fabricar e geram fenômenos físicos difíceis de descrever matematicamente. “Ainda há muito o que aprender sobre os skyrmions”, reconhece o físico.

Em um artigo recém-aceito para publicação na revista Physical Review Letters, Egues e seus colaboradores apresentam cálculos mostrando que é possível criar skyrmions de modo mais simples, utilizando um campo elétrico para manipular os spins dos elétrons em um filme de arseneto de gálio (GaAs), material comum muito usado pela indústria optoeletrônica. Segundo Egues, os cálculos de sua equipe assumem condições realistas, parecidas com as de experimentos realizados anos atrás em laboratórios dos Estados Unidos.

Nos testes publicados em 2009, os pesquisadores norte-americanos fizeram os spins dos elétrons do GaAs criarem padrões em forma de hélice. “A combinação correta desses padrões helicoidais, em posição ortogonal, deve resultar no padrão de skyrmions que propomos”, explica Egues, que em outubro apresentou suas ideias a físicos experimentais europeus que se interessaram em testá-las.

Isolantes topológicos

Com cálculos semelhantes aos apresentados na Physical Review Letters, Egues e o físico Sigurdur Erlingsson, da Universidade de Reykjavík, Islândia, haviam proposto em 2015 um modo simples de transformar radicalmente as propriedades eletrônicas de um filme de arseneto de índio (InAs), um material convencional como o GaAs. Sob condições habituais, o InAs se comporta como um semicondutor e conduz eletricidade apenas acima de certa voltagem. Egues e Erlingsson previram, no entanto, que a aplicação de campos elétricos com certas características transformaria o filme de arseneto de índio em um material isolante de eletricidade em sua região mais interna e em um condutor eficiente em suas bordas – esse tipo de material é chamado de isolante topológico.

Há uma razão prática para se tentar transformar filmes ultrafinos (considerados bidimensionais) de arseneto de índio em isolantes topológicos. Os materiais usados hoje, como o telureto de mercúrio (TeHg), são difíceis de manipular e poucos grupos no mundo, como o de Gennady Gusev, do Instituto de Física (IF) da USP, em São Paulo, conseguem gerar amostras para ver como se comportam.

Ao menos em teoria, esses filmes são materiais ideais para desenvolver novos dispositivos eletrônicos menores e mais eficientes. “Elétrons com spins opostos fluem em direções contrárias em um isolante topológico. Mesmo assim, não colidem entre si, o que reduz a resistência elétrica”, explica Luís Gregório Dias da Silva, professor no IF-USP que investiga o transporte de elétrons nesses materiais e colaborou com Egues anteriormente.

Isolantes topológicos e skyrmions são alguns dos fenômenos descobertos na última década graças à aplicação à ciência dos materiais de conceitos da topologia, área da matemática que estuda como alguns objetos geométricos podem ser transformados em outros, como se fossem feitos de uma massa de modelar que não se rompe – os matemáticos conseguem imaginar, por exemplo, uma rosquinha se convertendo em uma xícara. A maioria dos físicos não se interessava por topologia antes da publicação de trabalhos teóricos pioneiros dos físicos britânicos David Thouless, Duncan Haldane e Michael Kosterlitz, ganhadores do Nobel de Física de 2016. Nos anos 1970 e 1980, eles sugeriram que transformações nas propriedades elétricas e magnéticas observadas em certos materiais poderiam ser explicadas analisando a topologia dos espaços geométricos abstratos que descrevem o comportamento dos átomos e dos elétrons nos materiais.

A reportagem também está disponível no endereço http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/11/18/formas-e-transformacoes/?cat=ciencia.

Pesquisa FAPESP