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Pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (FEC-Unicamp) desenvolveram novos modelos matemáticos e computacionais voltados a otimizar a gestão e a operação de sistemas complexos de suprimento hídrico e de energia elétrica, como os existentes no Brasil.
Os modelos, que começaram a ser desenvolvidos no início dos anos 2000, foram aprimorados por meio do Projeto Temático “HidroRisco: Tecnologias de gestão de riscos aplicadas a sistemas de suprimento hídrico e de energia elétrica”, realizado com apoio da FAPESP.

“A ideia é que os modelos matemáticos e computacionais que desenvolvemos possam auxiliar os gestores dos sistemas de distribuição e abastecimento de água e energia elétrica na tomada de decisões que têm enormes impactos sociais e econômicos, como a de decretar racionamento”, disse Paulo Sérgio Franco Barbosa, professor da FEC-Unicamp e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.

De acordo com Barbosa, muitas das tecnologias utilizadas hoje nos setores hídrico e energético no Brasil para gerir a oferta e a demanda e os riscos de desabastecimento de água e energia em situações de eventos climáticos extremos, como estiagem severa, foram desenvolvidas na década de 1970, quando as cidades brasileiras eram menores e o país não dispunha de um sistema hídrico e hidroenergético tão complexo como o atual.

Por essas razões, segundo ele, esses sistemas de gestão apresentam falhas como não levar em conta a conexão entre as diferentes bacias e não estimar a ocorrência de eventos climáticos mais extremos do que os que já aconteceram no passado ao planejar a operação de um sistema de reservatórios e distribuição de água.

“Houve falha no dimensionamento da capacidade de abastecimento de água do reservatório Cantareira, por exemplo, porque não se imaginou que aconteceria uma seca pior do que a que atingiu a bacia em 1953 [ considerado o ano mais seco da história do reservatório antes de 2014”, afirmou Barbosa.

A fim de aprimorar esses sistemas de gestão de risco existentes hoje, os pesquisadores desenvolveram novos modelos matemáticos e computacionais que simulam a operação de um sistema de suprimento hídrico ou de energia de forma integrada e em diferentes cenários de aumento de oferta e demanda de água.

“Por meio de algumas técnicas estatísticas e computacionais, os modelos que desenvolvemos são capazes de fazer simulações melhores e proteger mais um sistema de suprimento hídrico ou de energia elétrica contra riscos climáticos”, disse Barbosa.

Sisagua

Um dos modelos desenvolvidos pelos pesquisadores em colaboração com colegas da University of California em Los Angeles, nos Estados Unidos, é a plataforma de modelagem de otimização e simulação de sistemas de suprimento hídrico Sisagua.

A plataforma computacional integra e representa todas as fontes de abastecimento de um sistema de reservatórios e distribuição de água de cidades de grande porte, como São Paulo, incluindo os reservatórios, canais, dutos, estações de tratamento e de bombeamento.

“O Sisagua possibilita planejar a operação, estudar a capacidade de suprimento e avaliar alternativas de expansão ou de diminuição do fornecimento de um sistema de abastecimento de água de forma integrada”, apontou Barbosa.

Um dos diferenciais do modelo computacional, segundo o pesquisador, é estabelecer regras de racionamento de um sistema de reservatórios e distribuição de água de grande porte em períodos de seca, como o que São Paulo passou em 2014, de modo a minimizar os danos à população e à economia causados por um eventual racionamento.

Quando um dos reservatórios do sistema atinge um volume abaixo dos níveis normais e próximo do volume mínimo de operação, o modelo computacional indica um primeiro estágio de racionamento, reduzindo a oferta da água armazenada em 10%, por exemplo.

Se a crise de abastecimento do reservatório prolongar, o modelo matemático indica alternativas para minimizar a intensidade do racionamento distribuindo o corte de água de forma mais uniforme ao longo do período de escassez de água e entre os outros reservatórios do sistema.

“O Sisagua possui uma inteligência computacional que indica onde e quando cortar o fornecimento de água de um sistema de abastecimento hídrico, de modo a minimizar os danos no sistema e para a população e a economia de uma cidade”, afirmou Barbosa.

Sistema Cantareira

Os pesquisadores aplicaram o Sisagua para simular a operação e a gestão do sistema de distribuição de água da região metropolitana de São Paulo, que abastece cerca de 18 milhões de pessoas e é considerado um dos maiores do mundo, com vazão média de 67 metros cúbicos por segundo (m³/s).

O sistema de distribuição de água paulista é composto por oito subsistemas de abastecimento, sendo o maior deles o Cantareira, que fornece água para 5,3 milhões de pessoas, com vazão média de 33 m³/s.

A fim de avaliar a capacidade de suprimento do Cantareira em um cenário de escassez de água e, ao mesmo tempo, de aumento da demanda pelo recurso natural, os pesquisadores realizaram uma simulação de planejamento do uso do subsistema em um período de dez anos utilizando o Sisagua.

Para isso, eles usaram dados de vazões afluentes (de entrada de água) do Cantareira entre 1950 e 1960, fornecidos pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

“Essa período de tempo foi escolhido como base para as projeções do Sisagua porque registrou secas severas, quando as afluências ficaram significativamente abaixo das médias por quatro anos seguidos, entre 1952 e 1956”, explicou Barbosa.

A partir dos dados de vazão afluente desse série histórica, o modelo matemático e computacional analisou cenários com demanda variável de água do Cantareira entre 30 e 40 m³/s.

Algumas das constatações do modelo foram que o Cantareira é capaz de atender uma demanda de até 34 m³/s em um cenário de escassez de água como ocorreu entre 1950 a 1960 com um risco insignificante de desabastecimento. Acima desse valor a escassez e, consequentemente, o risco de racionamento de água no reservatório aumenta exponencialmente.

Para que o Cantareira possa atender uma demanda de 38 m³/s em um período de escassez de água, o modelo indicou que seria preciso começar a racionar a água do reservatório 40 meses (3 anos e 4 meses) antes que o nível da bacia atingisse o ponto crítico, abaixo do volume normal e próximo do limite mínimo de operação.

Dessa forma, seria possível atender entre 85% e 90% da demanda de água do reservatório no período de seca até que ele recuperasse seu volume ideal, evitando um racionamento mais grave do que aconteceria caso fosse mantido o nível pleno de abastecimento do reservatório.

“Quanto antes for feito o racionamento de água de um sistema de abastecimento hídrico melhor o prejuízo é distribuído ao longo do tempo”, disse Barbosa. “A população pode se preparar melhor para um racionamento de 15% de água durante um período de dois anos, por exemplo, do que um corte de 40% em apenas dois meses”, comparou.

Sistemas integrados

Em outro estudo, os pesquisadores usaram o Sisagua para avaliar a capacidade de os subsistemas Cantareira, Guarapiranga, Alto Tietê e Alto Cotia atenderem as atuais demandas de água em um cenário de escassez do recurso natural.

Para isso, eles também utilizaram dados de vazões afluentes dos quatro subsistemas no período de 1950 a 1960.

Os resultados das análises feitas pelo método matemático e computacional indicaram que o subsistema de Cotia atingiu um limite crítico de racionamento diversas vezes durante o período simulado de dez anos.

Em contrapartida, o subsistema Alto Tietê ficou com volume de água acima de sua meta frequentemente.

Com base nessas contatações, os pesquisadores sugerem novas interligações para transferência entre esses quatro subsistemas de abastecimento.

Parte da demanda de água do subsistema de Cotia poderia ser fornecida pelos subsistemas de Guarapiranga e Cantareira. Por outro lado, esses dois subsistemas também poderiam receber água do subsistema Alto Tietê, indicaram as projeções do Sisagua.

“A transferência de água entre os subsistemas proporcionaria maior flexibilidade e resultaria em uma melhor distribuição, eficiência e confiabilidade do sistema de abastecimento hídrico da região metropolitana de São Paulo”, avaliou Barbosa.

De acordo com o pesquisador, as projeções feitas pelo Sisagua também indicaram a necessidade de investimentos em novas fontes de abastecimento de água para a região metropolitana de São Paulo.

Segundo ele, as principais bacias que abastecem São Paulo sofrem de problemas como a concentração urbana.

Em torno da bacia do Alto Tietê, por exemplo, que ocupa apenas 2,7% do territória paulista, está concentrada quase 50% da população do Estado de São Paulo, superando em cinco vezes a densidade demográfica de países como Japão, Coréia e Holanda.

Já as bacias de Piracicaba, Paraíba do Sul, Sorocaba e Baixada Santista – que representam 20% da área de São Paulo – concentram 73% da população paulista, com densidade demográfica superior ao de países como Japão, Holanda e Reino Unido, apontam os pesquisadores.

“Será inevitável pensar em outras fontes de abastecimento de água para a região metropolitana de São Paulo, como o sistema Juquiá, no interior do estado, que tem água de excelente quantidade e em grandes volumes”, disse Barbosa.

“Em razão da distância, essa obra será cara e tem sido postergada. Mas, agora, não dá mais para adiá-la”, afirmou.

Além de São Paulo, o Sisagua também foi utilizado para modelar os sistemas de suprimento hídrico de Los Angeles, nos Estados Unidos, e Taiwan.

O artigo “Planning and operation of large-scale water distribution systems with preemptive priorities”, (doi: 10.1061/(ASCE)0733-9496(2008)134:3(247)), de Barros e outros, pode ser lido por assinantes do Journal of Water Resources Planning and Management em ascelibrary.org/doi/abs/10.1061/%28ASCE%290733-9496%282008%29134%3A3%28247%29.

Agência FAPESP