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Conversar, tocar instrumentos, jogar videogame, guiar veículos, praticar esportes ou qualquer outra ação que requer antecipação e planejamento seria impossível de ser realizada sem a habilidade do cérebro humano de medir o tempo. Entender como ocorre esse processamento temporal é o objetivo de uma pesquisa apoiada pela FAPESP e coordenada por André Mascioli Cravo, professor do Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC) da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos coordenadores do laboratório de Timing e Cognição (http://neuro.ufabc.edu.br/timing/).
Resultados parciais foram apresentados durante a nona edição do Congresso Mundial do Cérebro (IBRO 2015), realizado no Rio de Janeiro entre os dias 7 e 11 de julho.

“Nosso cérebro usa informações temporais de maneira muito automática para planejar ações. É como uma máquina de fazer previsões. Por exemplo, quando apertamos o botão de nosso computador, sabemos quanto tempo ele demora para ligar. Se levar mais que um determinado intervalo, já desconfiamos que algo está errado. Ou a máquina quebrou ou está faltando energia. Quando compramos um computador novo esse intervalo é diferente e nos adaptamos muito rapidamente. Nosso interesse é entender como o cérebro aprende essa relação temporal e a utiliza em ações futuras”, explicou Cravo em entrevista à Agência FAPESP.

Para desvendar os mecanismos neurais envolvidos nesse processo, Cravo e seus colaboradores da UFABC registram com um equipamento de eletroencefalografia (EEG) a atividade elétrica do córtex de voluntários sadios enquanto eles participam de um jogo de tiro ao alvo no computador.

O alvo aparece e desaparece na tela em um determinado intervalo de tempo e o voluntário deve apertar um botão para dar um tiro e tentar acertá-lo. Quando a tarefa está sendo cumprida com excelência, o intervalo entre a ação de apertar o botão e o disparo do tiro é aumentado.

“A primeira vez que isso acontece, obviamente, o voluntário erra o alvo. Mas, para nossa surpresa, uma única tentativa frustrada é suficiente para o cérebro aprender a nova relação temporal e corrigir a ação motora”, contou Cravo.

Segundo o pesquisador, o mecanismo usado para codificar o erro e adaptar o comportamento parece se basear nas diferentes fases das oscilações cerebrais. “Essas oscilações refletem a excitabilidade de populações neurais. É uma medida indireta de quão preparado um determinado grupo de neurônios está para processar novos estímulos”, explicou.

Na literatura científica, as oscilações cerebrais têm sido relacionadas a diversas funções cognitivas, como atenção, memória e tomada de decisão. Uma das teorias propõe que o cérebro se basearia nessas oscilações para prever quando algo vai acontecer.

“Estudos têm mostrado que, se você sabe quando algo vai ocorrer, essas oscilações parecem ser um bom mecanismo para preparar uma região de nosso cérebro para processar a informação que vai chegar. Parece que esse mesmo mecanismo está envolvido no caso das informações temporais”, disse Cravo.

Segundo o pesquisador, o sinal registrado pelo equipamento de EEG representa a soma das ondas cerebrais do córtex em suas diferentes amplitudes, fases e ritmos. No experimento, o grupo focou nas chamadas oscilações Delta, que têm frequências entre 1 e 4 Hertz.

“Estudos anteriores mostraram que as oscilações Delta e Teta (de 4 a 8Hz) parecem ter um papel fundamental no controle da excitabilidade cortical. Além disso, a nossa tarefa envolvia uma dinâmica temporal que produzia um ritmo inerente de 1 Hz e, por isso, essas oscilações endógenas Delta poderiam se sincronizar ao ritmo da tarefa para melhorar o desempenho do participante”, explicou Cravo.

Os resultados do experimento mostraram que saber a fase da oscilação Delta no momento que o alvo foi apresentado ao voluntário permitiu aos pesquisadores prever o que o participante faria na próxima apresentação.

“Ficou claro em nossos estudos que, quanto maior era o erro temporal que o participante cometia, mais ele ajustava a ação na próxima apresentação do alvo. Porém, nossa única maneira de medir esse erro era observar o quão atrasado o alvo tinha sido apresentado. Decidimos então verificar se uma informação neural, no caso a fase das oscilações Delta no momento que o alvo era apresentado, nos ajudaria a prever o que o participante iria fazer na próxima apresentação. Era como se estivéssemos medindo não apenas o erro em si, mas também a expectativa que o participante tinha de quando o alvo deveria ser apresentado”, comentou Cravo.

Tal resultado, disse o pesquisador, sugere que ao fazer uma previsão nos preparamos não somente para o “quê” vai acontecer, mas também para “quando” vai acontecer.

“Essas oscilações parecem ser fundamentais para a codificação dessa previsão temporal, fazendo com que regiões ligadas à tarefa a ser executada estejam preparadas no momento certo”, explicou Cravo.

Relógios cerebrais

Estaria o cérebro humano usando oscilações elétricas para marcar o tempo assim como um relógio construído pelo homem usa oscilações de um pêndulo ou de um cristal de quartzo?

O pesquisador Dean Buonomano, do Departamento de Neurobiologia e Psicologia da University of California, Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, acredita que não.

“Oscilações são um jeito poderoso de marcar o tempo, mas para isso é preciso contar o número de oscilações e o cérebro humano não é bom em fazer isso”, disse Buonomano, que esteve no Brasil para participar do IBRO 2015 com apoio da FAPESP.

Na avaliação do norte-americano, o mecanismo usado pelo cérebro para marcar o tempo seria baseado na dinâmica dos neurônios. Segundo ele, existem neurônios excitatórios e inibitórios que influenciam os neurônios vizinhos criando padrões de atividade que evoluem no tempo em um processo dinâmico bastante complexo.

“Uma analogia possível seria a de um auditório repleto de pessoas paradas em pé. Se eu empurrasse as pessoas da primeira fileira, cada uma empurraria um pouco a pessoa vizinha e isso criaria um padrão de movimento que evolui no tempo. Se analisarmos esse movimento com um filme, poderíamos marcar a passagem de tempo com base na posição das pessoas. Se tirássemos várias fotos desse processo e embaralhássemos as imagens, poderíamos depois colocar todas em ordem porque entendemos a dinâmica desse sistema”, explicou Buonomano.

Antigamente, contou o pesquisador, se acreditava que havia uma espécie de relógio central no cérebro, ou seja, um determinado circuito neuronal responsável pela maioria das funções temporais, como ocorre em um computador.

“Hoje sabemos que não é assim que funciona. O tempo é um aspecto tão fundamental para nossa interação com o mundo que praticamente todos os circuitos neuronais estão envolvidos nesse processamento em algum nível”, disse o pesquisador em entrevista à Agência FAPESP.

Cada circuito, na avaliação de Buonomano, teria uma diferente habilidade para processar o tempo que varia de acordo com o problema em questão.

“Por exemplo, o córtex auditivo precisa detectar e determinar a duração do som, dos intervalos e o ritmo para fazer o processamento da fala ou da música. Já o córtex motor precisa de funções temporais que permitam controlar a ação dos músculos, e assim por diante. Cada um processa de uma forma”, disse Buonomano.

Compreender como ocorre esse processamento, argumentou, é fundamental tanto para entender o cérebro como para descobrir as causas de distúrbios neurológicos que prejudicam a aprendizagem, memória e cognição.

Tempo subjetivo

Cravo e Buonomano iniciam atualmente uma colaboração com o objetivo de compreender a impressão subjetiva do tempo.

Ainda que o cérebro continue marcando o tempo de forma objetiva, comentou Buonomano, o tempo parece passar mais ou menos depressa dependendo da atividade que estamos realizando.

“Estamos desenhando experimentos para mostrar que essa nossa impressão subjetiva sobre a passagem do tempo está sujeita a muitas ilusões. Como parecem existir diferentes relógios em nosso cérebro, nossa pergunta é: será que todos eles estão sujeitos à mesmas ilusões temporais?”, acrescentou.

Agência FAPESP