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Os actinídeos são um grupo de 15 elementos radioativos que fazem parte da sétima linha da tabela periódica. Isto quer dizer que seus átomos possuem elétrons em todos os sete níveis de energia possíveis. Em ordem crescente de número atômico, começam com o actínio (89 prótons e 89 elétrons) e vão até o laurêncio (103 prótons e 103 elétrons). Urânio (92) e tório (90) são os actinídeos mais abundantes na crosta terrestre. 
De modo geral, todas as propriedades macroscópicas dos materiais – e, por decorrência, suas aplicações tecnológicas – dependem da distribuição dos elétrons nas camadas mais externas dos átomos. É isso que define se o material é maleável ou rígido, se conduz muito ou pouco a corrente elétrica ou se responde fortemente ou fracamente ao campo magnético.

Os orbitais mais externos podem também se combinar, formando orbitais híbridos, com diferentes formas e níveis de energia. Com isso, a hibridação de orbitais modifica as propriedades dos átomos, o modo como se ligam a outros átomos e até mesmo as estruturas das moléculas formadas.

Um estudo experimental e teórico, conduzido no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), investigou, por meio de raios X, a configuração dos orbitais mais externos e de seu híbrido em compostos de urânio, provendo novos conhecimentos sobre os actinídeos. A dificuldade em manipular esses materiais de forma segura havia feito com que suas propriedades permanecessem relativamente desconhecidas em comparação com as dos elementos mais leves. O novo estudo altera tal situação.

O idealizador e coordenador da pesquisa Narcizo Marques de Souza Neto, Ricardo dos Reis (primeiro autor) e colaboradores do país e do exterior publicaram artigo a respeito na revista Nature Communications.

“Por serem elementos pesados, com muitos elétrons, os actinídeos apresentam uma distribuição peculiar de energia em seus últimos orbitais, dos níveis 5f e 6d. Nossa principal contribuição foi estabelecer as técnicas experimentais para poder sondar esses níveis exteriores. Conseguimos observar, de forma seletiva, as propriedades das camadas 5f e 6d e da hibridização delas. Isso não era possível antes. A maior parte das propriedades macroscópicas desses materiais se deve à interação entre os níveis 5f e 6d”, disse Souza Neto à Agência FAPESP.

O grupo do LNLS utilizou a técnica de dicroísmo circular magnético de raios X – em inglês X-ray magnetic circular dichroism, daí a sigla XMCD –, com raios X de energia relativamente alta – no patamar de 17 keV –, para investigar os orbitais 5f, 6d e sua hibridização em compostos de urânio.

A expressão “dicroísmo circular magnético de raios X” nomeia as diferenças apresentadas por dois espectros de absorção de raios X em campo magnético, um com luz polarizada à esquerda, o outro com luz polarizada à direita. Analisando essas diferenças podem-se obter muitas informações acerca das propriedades do átomo em pauta.

“Essa técnica experimental já era empregada no estudo de outros materiais, mas não de actinídeos, devido a várias dificuldades operacionais”, disse Souza Neto.

O trabalho teve apoio da FAPESP por meio dos programas Jovens Pesquisadores e Equipamentos Multiusuários e das bolsas de Doutorado e de Iniciação Científica.

Supercondutores em temperatura ambiente

O grupo do LNLS trabalhou com dois compostos silicatos: urânio-manganês e urânio-cobre. A ideia previamente existente, no caso do urânio-manganês, era a de que todo o magnetismo do composto se devia ao manganês; e, no caso do urânio-cobre, ao urânio.

Os pesquisadores observaram que o urânio-manganês apresenta também, em temperatura ambiente, um certo magnetismo no urânio, induzido pelo manganês. E que, em baixas temperaturas, além do magnetismo induzido, a rede do urânio se ordena independentemente, apresentando, por isso, um magnetismo ainda mais forte.

No caso do urânio-cobre, o grupo descobriu que o cobre também apresenta um magnetismo induzido pelo urânio. Estes foram conhecimentos novos aportados pelo estudo.

“Além do comportamento de conjunto do urânio, observamos também o que acontece em suas camadas e subcamadas, no caso a 5f, a 6d e a híbrida, em baixa e alta temperaturas. E explicamos por que acontece”, ressaltou Souza Neto.

“O auxílio Jovem Pesquisador que recebi da FAPESP foi para desenvolver técnicas de raios X em condições extremas. Isso envolvia tanto baixas temperaturas quanto altas pressões e sinais magnéticos muito baixos. Este trabalho que fizemos e que resultou no artigo publicado na Nature Communications foi um dos desdobramentos do projeto. Desenvolvemos a técnica e conseguimos colocar em prática várias estratégias para medir sinais baixos de forma eficiente. Com isso, conseguimos medir sinais 50 vezes mais baixos do que seriam medidos em outra borda de absorção, no caso do urânio. Graças ao estudo, temos hoje condições muito boas de realizar medidas não apenas em actinídeos, mas também em vários outros tipos de materiais”, disse.

Existem compostos de urânio que são alguns dos poucos exemplos de materiais supercondutores não convencionais, que combinam duas propriedades antagônicas: o ferromagnetismo e a supercondutividade. Até hoje, a supercondutividade, isto é, a propriedade que certos materiais apresentam de conduzir corrente elétrica sem resistência nem perdas, só foi alcançada com o resfriamento desses materiais a temperaturas extremamente baixas.

Entender a fundo esses compostos de urânio não convencionais pode ser um passo fundamental para se chegar a um material supercondutor em temperatura ambiente. Se obtido, tal material terá um impacto tecnológico e social extraordinário.

“Embora nossa pesquisa tenha se dado no âmbito estrito da ciência básica, desdobramentos tecnológicos tão interessantes como este não estão fora de seu horizonte”, disse Souza Neto.

O artigo Unraveling 5f-6d hybridization in uranium compounds via spin-resolved L-edge spectroscopy, de R. D. dos Reis, L. S. I. Veiga, C. A. Escanhoela Jr., J. C. Lang, Y. Joly, F. G. Gandra, D. Haskel e N. M. Souza-Neto, está publicado em https://www.nature.com/articles/s41467-017-01524-1.

Agência FAPESP