Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
Parece ficção científica. Mas, no mundo da ciência e da tecnologia reais, os pesquisadores vêm trabalhando há anos com o intuito de criar materiais invisíveis. Como definir esse tipo de material? Uma resposta simples e ainda assim correta seria dizer que, nele, a luz não se refletiria (como em um espelho), não se espalharia (como em um corpo translúcido) e não mudaria de cor (como em um vidro colorido). 
Um avanço na pesquisa sobre propriedades capazes de tornar um material invisível foi obtida com nanopartículas de óxido de cobalto sintetizadas na presença do aminoácido L-cisteína.

O trabalho foi tema do artigo Chiromagnetic nanoparticles and gel, publicado nesta quinta-feira (18/01) pela revista Science. É resultado de uma colaboração internacional iniciada há três anos que reúne pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e University of Michigan, nos Estados Unidos, por meio dos grupos liderados por André Farias de Moura e Nicholas Kotov, respectivamente.

A colaboração se deu no âmbito do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP –, que viabilizou a vinda do professor Kotov ao Brasil em 2012.

Mesmo antes de a ciência compreender que a luz era uma onda eletromagnética, o que foi traduzido matematicamente pelas equações que o escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) desenvolveu na década de 1860, já havia conhecimento tecnológico suficiente para produzir materiais com algumas ou todas as propriedades que definem algo como invisível.

Mas a capacidade de ligar e desligar cada uma das formas de interação da luz com um material mostrou-se uma tarefa muito difícil ao longo dos anos – ainda mais difícil quando se trata de ligar e desligar muitas vezes seguidas, sem esgotar a capacidade de o material mudar de visível para invisível, e quase impossível quando se pretende algum tipo de controle do grau de invisibilidade do material. O que fazer, então?

O inglês Michael Faraday (1791-1867) já havia demonstrado, em 1845, que o campo magnético de um ímã podia mudar a interação de qualquer material com a luz, fazendo o feixe de luz girar sobre seu próprio eixo, de modo semelhante ao que se observava na mesma época para certas substâncias chamadas de “quirais” – isto é, que não podiam ser sobrepostas às suas imagens especulares.

Moura e Kotov buscaram um material que tivesse ao mesmo tempo as propriedades de quiralidade e magnetização, e, com isso, conseguiram fazer o material opaco ficar transparente usando um campo magnético.

Moura adverte que isso ainda não torna o material pesquisado invisível. “Mas, para aplicações tecnológicas diversas, já é um avanço fantástico sermos capazes de mudar o material de opaco para transparente e de volta para opaco”, disse.

“Por exemplo, podemos ligar e desligar a conexão entre duas fibras ópticas transmitindo dados, e isso vai facilitar em muito a construção de redes de dados em um futuro próximo. Também podemos ter um botão liga-desliga para reações químicas que dependem da luz. Ou podemos aumentar o controle sobre terapias fotodinâmicas para doenças como câncer. Ainda não atingimos o alvo, mas parece que já estamos no caminho correto”, disse.

Magnetismo e quiralidade

A síntese e a caracterização experimental de nanopartículas de óxido de cobalto na fase de espinélio (grupo de minerais) foi realizada na University of Michigan. Trata-se de um material cerâmico já bastante estudado por conta de suas propriedades magnéticas.

No entanto, a presença do aminoácido natural cisteína durante a síntese foi escolha experimental fundamental para abrir todo um leque de aplicações possíveis. “A cisteína é um dos aminoácidos naturais e, como tal, só ocorre na natureza em uma de suas formas quirais, a L-cisteína”, explicou Moura.

Os dados experimentais mostraram que a molécula biológica transfere sua quiralidade para as nanopartículas de cerâmica. E que essa impressão quiral se mantém estável mesmo se as moléculas do aminoácido forem removidas.

Modelagem computacional, realizada na UFSCar com o uso do supercomputador brasileiro SDumont, demonstrou de maneira detalhada e precisa onde e como as moléculas de cisteína se ligam às nanopartículas de óxido de cobalto, como essas estruturas vibram e se movem e como os elétrons se reorganizam quando a luz é absorvida, o que é fundamental para diversas aplicações potenciais.

A combinação de magnetismo e quiralidade foi a pedra de toque do trabalho e deve levar à prospecção de outras cerâmicas com propriedades magnéticas e de outras moléculas quirais, com o objetivo de otimizar o efeito conhecido como “dicroísmo circular magnético”, que é a propriedade utilizada para controlar a transparência do material na presença de campos magnéticos e também a sua atividade catalítica na presença de luz.

“Dando sequência à pesquisa, esperamos formar uma biblioteca de nanopartículas quirais diversas, que serão usadas como blocos de montagem para estruturas maiores e mais complexas, e com um controle ainda maior da interação do material com a luz. Esse será um grande objetivo nos próximos anos, tanto na síntese e caracterização experimental dos novos materiais, como na modelagem computacional de suas propriedades e funcionalidades”, disse Moura.

O artigo Chiromagnetic nanoparticles and gels (doi: 10.1126/science.aao7172), de Jihyeon Yeom, Uallisson S. Santos, Mahshid Chekini, Minjeong Cha, André F. de Moura e Nicholas A. Kotov, está publicado em http://science.sciencemag.org/content/359/6373/309.

* Com informações do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF).

Agência FAPESP *