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Ciência e Tecnologia
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Estudos recentes sugerem que o desequilíbrio entre as bactérias benéficas e as patogênicas que compõem a flora intestinal – condição conhecida como disbiose – pode ter relação com o surgimento de tumores no trato digestivo. Ainda não está claro, porém, se o câncer é causa ou consequência dessa alteração no microbioma.
batteriCom o objetivo de avançar nesse entendimento, pesquisadores do A.C. Camargo Cancer Center e da Universidade de São Paulo (USP) compararam o conjunto de bactérias presente em amostras de tumores de reto com o encontrado no tecido sadio dessa porção do intestino.

O resultado da investigação – apoiada pela FAPESP – foi divulgado no periódico Frontiers in Cellular and Infection Microbiology.

“O que mais nos chamou a atenção foi a maior presença da espécie Bacteroides fragilis nas amostras tumorais. Trabalhos anteriores indicaram que determinadas cepas dessa bactéria produzem uma toxina capaz de induzir a formação de tumores em ratos”, contou Andrew Maltez Thomas, doutorando do Instituto de Química (IQ) da USP e primeiro autor do artigo.

O trabalho foi orientado pelo professor João Carlos Setubal, do Departamento de Bioquímica do IQ-USP, e pelo coordenador do Laboratório de Genômica do A.C. Camargo Cancer Center, Emmanuel Dias-Neto.

O grupo analisou, ao todo, 36 amostras de tecido retal humano – sendo 18 de indivíduos saudáveis submetidos a exame de colonoscopia e 18 de pacientes com câncer operados no A.C. Camargo sem antes ter passado por tratamentos como radio ou quimioterapia, que poderiam alterar o perfil da flora bacteriana.

Foram incluídos nos dois grupos de estudo o mesmo número de homens e mulheres, com exposição semelhante a fatores de risco como tabagismo e consumo de álcool. Além disso, foram avaliadas apenas amostras da mesma região do reto. Como explicam os autores, o controle dessas variáveis foi importante para se obter um cenário real da variação microbiana em função do câncer, sem a interferência de outros fatores.

“Nosso trabalho se diferencia de outros nessa área por dois aspectos. Primeiro porque não tratamos o câncer de cólon e de reto como uma única doença, uma vez que há diferença na sobrevida, no potencial metastático e também diferenças embriológicas nos tecidos dessas regiões. Segundo porque as análises não foram feitas com amostras fecais, pois já foi demonstrado que a microbiota vai se modificando ao longo do trato intestinal e, portanto, o que encontramos nas fezes não reflete necessariamente o conjunto bacteriano aderido ao tecido do reto”, disse Thomas.

Como contou o pesquisador, todo o DNA contido nas 36 amostras foi extraído – tanto o humano como também o de microrganismos. Em seguida, por uma técnica conhecida como PCR (reação em cadeia da polimerase, na sigla em inglês), foram amplificadas apenas as informações genéticas contidas em uma região onde se encontra um gene específico de bactérias.

“Sequenciamos a região V4-V5 do gene 16S rRNA e, dessa forma, conseguimos determinar as bactérias presentes nas amostras”, explicou Thomas.

Principais achados

Como relatam os pesquisadores no artigo, o tecido tumoral apresentou uma maior riqueza de espécies bacterianas e maior abundância dos gêneros Bacteroides, Phascolarctobacterium, Parabacteroides, Desulfovibrio e Odoribacter.

Já no tecido sadio foram mais abundantes os gêneros Pseudomonas, Escherichia, Acinetobacter, Bacillus e Lactobacillus, sendo este último considerado benéfico à saúde humana.

“Observamos que os tumores tinham um menor número de bactérias formadoras de biofilme, ou seja, espécies capazes de se agregar e formar uma unidade coesa que inibe a sobrevivência de agentes patogênicos. Isso mostra que há de fato uma disbiose”, comentou Thomas.

Duas unidades taxonômicas operacionais (OTU, na sigla em inglês, termo que define grupos cuja sequência de DNA é parecida) da Bacteroides fragilis foram mais abundantes nas amostras tumorais. Segundo Thomas, esse achado reforça evidências de estudos anteriores que apontaram o envolvimento do patógeno no desenvolvimento do câncer colorretal.

“Sabemos que essa bactéria é capaz de induzir uma resposta imune importante na mucosa do cólon e do reto. No entanto, ainda não sabemos se ela é a causa do câncer ou se estaria em maior quantidade no local como uma consequência da lesão maligna”, afirmou Thomas.

Na avaliação de Dias-Neto, também é possível que esse microrganismo tenha um papel benéfico na doença, atraindo células de defesa para a lesão e, assim, tornando o câncer mais visível para o sistema imune.

“Há trabalhos mostrando que, se você trata um animal com antibióticos e depois induz a formação de um tumor, o sistema imune não responde, não combate o câncer, diferentemente do que ocorre em animais com a microbiota preservada. A ativação imunológica induzida por bactérias é necessária para uma resposta eficaz à quimioterapia”, afirmou Dias-Neto.

Segundo o pesquisador, uma das hipóteses a ser investigada em trabalhos futuros do grupo é se a presença da B. fragilis e de outras espécies encontradas mais abundantemente no tecido tumoral influencia na resposta dos pacientes ao tratamento.

“Estamos começando a conhecer quais grupos bacterianos estão em quais locais tanto num intestino saudável como em uma situação patológica. O próximo passo é fazer correlações, por exemplo, com a presença de uma determinada espécie com pacientes que respondem muito bem ou a ausência de uma bactéria com pessoas que estão desenvolvendo a doença. Uma terceira etapa seria começar a intervir nesse processo”, disse Dias-Neto.

Atualmente, com apoio da FAPESP, Thomas investiga na Universitá degli Studi di Trento, na Itália, a existência de marcadores microbianos que possam ajudar no diagnóstico e na avaliação do prognóstico de pacientes com câncer intestinal.

“A ideia é descobrir, por exemplo, se a presença de determinadas enzimas bacterianas nas fezes permite distinguir se o indivíduo possui um adenoma, um pólipo intestinal ou uma microbiota saudável. Esse tipo de exame é factível e vai estar disponível no futuro”, disse Thomas

O artigo Tissue-Associated Bacterial Alterations in Rectal Carcinoma Patients Revealed by 16S rRNA Community Profiling pode ser lido em: http://journal.frontiersin.org/article/10.3389/fcimb.2016.00179/full.

Agência FAPESP