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Ciência e Tecnologia
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Menos de 20 anos depois de o Brasil começar a produzir versões com os mesmos princípios ativos, nas mesmas doses e formas farmacêuticas de medicamentos de referência que tivessem a patente expirada, mais de um quarto das vendas farmacêuticas são de genéricos. Em artigo publicado no Pan American Journal of Public Health, Elize Fonseca, pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), e Ken Shadlen, da London School of Economics, fazem um estudo de caso sobre a regulação de medicamentos genéricos no Brasil e comparam abordagens nacionais para a promoção e regulação dos remédios.
O estudo teve apoio da FAPESP por meio do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.

“É comum pensar que a regulação de genéricos no Brasil é algo estabelecido, mas se trata ainda de uma área com pouco estudo. Queremos entender como e por que o Brasil optou pela regulação vigente. É importante compreender isso, uma vez que é a regulação que dita as regras de um mercado com vários atores – como governo, consumidores, farmacêuticas –, podendo ampliar ou restringir o acesso aos medicamentos”, disse Fonseca à Agência FAPESP.

O estudo destaca que diversos fatores e interesses, tanto dos setores públicos como dos privados, influenciaram o desenho e a implementação da regulação de medicamentos genéricos no Brasil.

O trabalho enfocou quatro temas centrais da regulação de genéricos, que envolvem equivalência, embalagem, prescrição e substituição. Foram estabelecidas perguntas-chave que permitissem analisar a regulação de genéricos: como foi provada a equivalência entre o genérico e o medicamento de referência; os genéricos podem ter nome de marca na embalagem; médicos podem prescrever o medicamento usando o nome do genérico ou um nome de marca; farmacêuticos podem substituir genéricos por produtos inovadores.

Os resultados da análise tiveram como base dados coletados entre 2007 e 2015 de documentos do governo brasileiro – como memorandos da política de regulação de genéricos e discursos oficiais –, além de mais de 400 reportagens de jornais e artigos científicos.

Os dados foram complementados por 60 entrevistas com reguladores e funcionários do governo que participaram da elaboração e implementação das políticas de medicamentos genéricos do Brasil.

Segundo Fonseca, o exemplo brasileiro é fundamental para compreender a regulação de genéricos. O país é o maior mercado da América Latina no setor e, embora tenha testemunhado altos níveis de penetração desses medicamentos no mercado farmacêutico, o processo foi acompanhado por uma série de conflitos entre governo, farmacêuticas e consumidores. “No fim, vemos que a regulação é uma questão técnica e também política”, disse.

Segundo observaram os pesquisadores, “a Lei de Medicamentos Genéricos de 1999 foi uma oportunidade para promover a utilização do nome genérico (também chamado de Denominação Comum Brasileira) como regra de prescrição e aumentar os requisitos farmacológicos para registrar genéricos”.

Na prática, de acordo com a regulação referente às embalagens dos medicamentos – que incluem a tarja amarela e o uso do G em destaque para indicar que o medicamento é genérico –, foi impulsionado o nome genérico dos medicamentos no lugar de nomes de marca (registrada).

Outro ponto analisado foi a regulação sobre a prescrição. No Sistema Único de Saúde (SUS), os profissionais devem prescrever os medicamentos pela denominação genérica. Já nos serviços privados de saúde, a prescrição fica a critério do médico responsável, podendo ser realizada sob nome genérico ou de marca.

O estudo cita uma pesquisa realizada em 2006 em oito cidades brasileiras, que avaliou a opinião de 55 profissionais de saúde. Os resultados mostraram que 44% dos profissionais achavam que os medicamentos genéricos não eram tão confiáveis como os originais e que, mesmo entre os que confiavam nos genéricos, 17% não os prescreviam.

Bioequivalência

O processo de discussão sobre medicamentos genéricos no Brasil teve início na década de 1970. Porém apenas na década de 1990 que foi publicada a Lei 9.787, de 10/02/1999, que criava condições para a implantação de medicamentos genéricos, em consonância com normas adotadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e em países da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá.

No ano 2000, iniciou-se a concessão dos primeiros registros de medicamentos genéricos. Na época também foram tomadas ações para implementar a produção desse tipo de medicamento, inclusive com incentivo à importação.

“Antes da aprovação da lei de genéricos, as indústrias farmacêuticas locais podiam copiar os medicamentos de referência sem apresentar nenhum teste de equivalência terapêutica. A exigência de bioequivalência [quando fica comprovado que as duas drogas, medicamento genérico e o de referência, são iguais] tirou do mercado vários produtores que não conseguiram se adaptar às exigências da nova regulação”, disse Fonseca.

A pesquisadora ressalta que é importante observar que quando se restringe o número de concorrentes, em um cenário extremo, o preço pode subir, limitando o acesso da população aos medicamentos. “Nesse setor, a concorrência é fundamental para reduzir o preço dos medicamentos”, disse.

Os pesquisadores ressaltam que, em comparação com outros países latino-americanos, as exigências brasileiras são muito rigorosas. Eles apontam um estudo realizado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que concluiu que nenhuma outra autoridade reguladora nacional da América Latina solicitou bioequivalência para tantos fármacos. Dos 86 fármacos analisados nos países latino-americanos pelo estudo, 51 necessitaram de demonstração de bioequivalência no Brasil.

No início dos anos 2000, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criou diversos instrumentos de apoio aos fabricantes de genéricos para estimular o registro desses produtos no país. Entre eles o fast-track, que dava prioridade na aprovação do registro de medicamento genérico.

A Anvisa também prestou apoio contínuo às empresas locais, ao supervisionar as mudanças em seus departamentos reguladores. Com isso, o Brasil ganhou expertise em realizar testes de bioequivalência, que anteriormente tinham que ser realizados fora do país. Atualmente, quase todos os testes de equivalência terapêutica (87,6%) são realizados no Brasil.

“O consenso entre os representantes do setor farmacêutico a respeito da regulação de medicamentos genéricos era visto inicialmente como uma ameaça à sua sobrevivência, porém revelou-se que a regulação foi instrumental na melhoria das fábricas e nos processos de produção de medicamentos”, escreveram os autores.

Regulação em outros países

Fonseca e Shadlen pretendem usar a metodologia desenvolvida para fazer uma comparação da regulação entre diferentes países da América Latina. O objetivo é estudar caso a caso sobre como funciona a regulação de genéricos no Chile, Colômbia, Argentina e México e entender as relações comerciais na região.

“Existem diversas negociações e tentativas de harmonizar, ou seja, padronizar, a regulação de genéricos nos países da América Latina. É um tema bastante controverso, se devemos harmonizar ou não. Hoje, cada país tem um tipo de regulação diferente, o que acaba criando uma barreira comercial. Respondendo às quatro perguntas-chave, podemos ter um maior entendimento sobre a regulação de cada país”, disse Fonseca.

A Organização Mundial da Saúde sugere uma regra, mas, por questão de soberania, cabe às agências regulatórias de cada país escolher a regra que querem adotar.

O artigo Promoting and regulating generic medicines: Brazil in comparative perspective, de Elize Massard da Fonseca e Kenneth Shadlen, pode ser lido em http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/33835.

Agência FAPESP