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Um novo estudo observou diferenças no ciclo diário e na produção de melatonina entre pessoas que têm energia elétrica em casa – e são expostos à luz artificial à noite – e quem não tem acesso à eletricidade. O estudo foi feito por pesquisadores do Brasil, do Reino Unido e da Suécia, que compararam padrões de sono de uma população de seringueiros e operários que vivem e trabalham em áreas remotas da Amazônia brasileira.
Foi estudada uma população de cerca de 700 seringueiros no município de Xapuri, no Acre, residentes na Reserva Extrativista Chico Mendes. Os resultados, publicados em artigo na revista Scientific Reports, do grupo Nature, podem ajudar a avaliar o impacto da organização do trabalho na saúde e no bem-estar dos trabalhadores.

“A sociedade atual é muito exposta à iluminação elétrica artificial em adição ao ciclo de luz natural e isso tem impacto na duração e na qualidade do sono e, consequentemente, na saúde e no bem-estar. Restrições ao sono têm sido associadas a problemas como obesidade e diabetes do tipo 2, entre outros”, disse Claudia Roberta de Castro Moreno, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP).

Moreno foi responsável pela pesquisa A organização temporal do trabalho e suas repercussões na saúde e bem-estar de seringueiros e operários que trabalham em uma reserva extrativista amazônica, realizada com apoio da FAPESP. O trabalho contou com a parceria de pesquisadores da Universidade Federal do Acre (UFAC), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Universidade Católica de Santos (Unisantos), da University of Surrey, na Inglaterra, e da Stockholm University, na Suécia.

De acordo com Moreno, estudos que avaliam o impacto da exposição à luz elétrica no sono e na saúde são raros devido à onipresença da eletricidade na maior parte da população economicamente ativa.

“Estudar as comunidades em seu ambiente natural, sem eletricidade, ajudará a entender melhor a sincronização do ciclo natural de luz com o sistema de temporização circadiano, processo rítmico que ocorre no organismo todos os dias mais ou menos nos mesmos horários, independentemente de fatores externos.”

A realização do estudo na reserva extrativista também se beneficiou das semelhanças biológicas da população, em sua maioria descendente do mesmo grupo étnico.

“Trata-se do primeiro estudo realizado em uma população de trabalhadores não só com hábitos semelhantes, mas com origem étnica homogênea – a maioria descendente de nordestinos e que vive ali há gerações. Até então tudo o que tínhamos eram estudos em laboratório, muitas discussões sobre a exposição à luz intensa ‘arrastar’ o ritmo biológico, mas sem comparações na espécie humana”, afirmou.

Segundo Moreno, os seringueiros acordam muito cedo, às 4h da manhã, e vão trabalhar no seringal, regressando à tarde e adormecendo ao anoitecer por não terem energia elétrica em casa, expostos a uma alternância de 12 horas no claro e outras 12 no escuro. “É como uma volta ao passado”, disse.

Resultados

Os pesquisadores observaram que a eletricidade em domicílios tem impacto na duração do sono dos trabalhadores. Seringueiros com luz elétrica em casa dormem 30 minutos a menos por dia do que os que não têm eletricidade, o que equivale a uma perda de 2,5 horas de sono por semana.

O estudo foi realizado em duas fases. Na primeira, os participantes foram entrevistados por uma equipe da UFAC, que coletou dados demográficos e de estilo de vida e informações sobre o sono de cada um. Para a fase seguinte, foram selecionados três grupos de trabalhadores, de acordo com o horário e o ambiente de trabalho: operários que trabalham somente durante o dia, somente à noite e seringueiros que trabalham tanto de dia quanto à noite.

Nesta segunda fase, 20 trabalhadores de cada grupo foram acompanhados ao longo de 15 dias para registro de dados referentes à exposição à luz e ao ciclo do sono. Foram coletadas informações sobre o padrão de sono e de vigília, período em que se está acordado, por meio de actímetros – monitor portátil de atividade física. O registro dos movimentos dos indivíduos, estimado pelo movimento do braço não dominante, foi confrontado com os horários de exposição à luz.

Também foram feitas coletas de saliva. As amostras foram enviadas para São Paulo e, em seguida, para a University of Surrey, onde foram analisados os níveis de melatonina, hormônio produzido pelo cérebro durante a noite e que regula o sono.

Entre os resultados, a análise das amostras da segunda fase mostrou um atraso significativo no tempo de aparecimento da melatonina em trabalhadores com luz elétrica comparados ao outro grupo.

“A iluminação elétrica atrasou o início do sono e reduziu sua duração durante a semana de trabalho. Também parece interferir no alinhamento do sistema de temporização circadiano ao ciclo claro-escuro natural. Aos finais de semana isso leva a um ‘efeito reboot’, fazendo com que os trabalhadores durmam mais”, contou Moreno.

Popularmente conhecido como “relógio biológico”, o ciclo circadiano é o mecanismo interno de funcionamento do organismo que perfaz um ciclo de 24 horas nos processos bioquímicos, fisiológicos e comportamentais do indivíduo, durante o qual a temperatura do corpo, a atividade cerebral e a produção de hormônios variam com a mesma regularidade.

“A sociedade moderna promove um estilo de vida que trabalha contra o alinhamento circadiano, com o aumento da exposição à luz artificial e uso de equipamentos eletrônicos. O estudo contribuiu para ampliar o entendimento sobre o equilíbrio desejado entre a exposição à luz artificial e à natural e sua influência na saúde das pessoas”, explicou Moreno.

Os pesquisadores estudam agora o padrão alimentar de trabalhadores da região, que fazem uma refeição robusta às 5h da manhã, no início da jornada de trabalho. “Acreditamos que o efeito da alimentação também pode levar a diferenças importantes no funcionamento do organismo em comparação a populações que consomem apenas pão e café ao amanhecer, por exemplo.”

Os resultados da pesquisa publicados na Scientific Reports podem ser acessados em www.nature.com/articles/srep14074.

Agência FAPESP