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Ciência e Tecnologia
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cardiovascolareOs benefícios dos antioxidantes para o sistema cardiovascular têm sido apontados em diversos trabalhos da literatura científica. Entender os mecanismos pelos quais essas substâncias atuam é um dos objetivos de um grupo de pesquisadores coordenado pelo professor Francisco Laurindo no Instituto do Coração (Incor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
A pesquisa está sendo realizada no âmbito do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.

Em um dos trabalhos o grupo avalia o papel da proteína dissulfeto isomerase (PDI) no remodelamento de vasos sanguíneos e na prevenção de seu estreitamento excessivo.

“O remodelamento é o mecanismo mais poderoso de controle do lúmen (espaço interior por onde passa o sangue) do vaso sanguíneo. Ele pode ser fisiológico, causado por uma redução na demanda, como ocorre na aorta abdominal de mulheres após dar à luz, ou pode ser um remodelamento patológico, em decorrência, por exemplo, de uma lesão arterial, o que causa a perda de calibre do vaso e prejudica a circulação”, explicou Laurindo.

O papel tradicionalmente conhecido da proteína dissulfeto isomerase, segundo o pesquisador, é ajudar as proteínas produzidas no retículo endoplasmático a assumir sua forma funcional. E ela faz isso por meio de um processo de oxidação de determinados aminoácidos.

Mas os estudos do Redoxoma estão mostrando que essa proteína, entre outras coisas, também é importante para evitar o estreitamento patológico de artérias após uma lesão causada, por exemplo, por um procedimento de angiografia, no qual um cateter é inserido no vaso.

“Quando sofremos um corte na pele, os fibroblastos secretam colágeno e o tecido cicatriza por constrição – por isso a cicatriz fica com aquele aspecto repuxado. A maioria dos tecidos cicatriza dessa maneira, mas o vaso sanguíneo não pode cicatrizar exatamente da mesma forma para não fechar. Suspeitamos que a proteína dissulfeto isomerase participa do mecanismo que mantém o vaso aberto durante a cicatrização”, disse Laurindo.

Para testar a hipótese, os pesquisadores induziram uma lesão na artéria femoral de coelhos usando um cateter com um balão inflável na ponta. Após 14 dias, foi possível observar aumento significativo na expressão da PDI no local.

Os pesquisadores repetiram o experimento, mas, desta vez, abriram novamente a artéria femoral no 12º dia para tratar com um gel especial contendo um anticorpo capaz de neutralizar a ação da proteína dissulfeto isomerase.

“Usamos o chamado gel plurônico, que tem uma propriedade curiosa: fica líquido quando gelado e, na temperatura corporal, se solidifica. Colocamos o gel na geladeira, misturamos os anticorpos e aplicamos uma camada em torno da artéria. O gel solidificado então passou a liberar o anticorpo durante os dois dias seguintes”, contou Laurindo.

Na artéria tratada com o anti-PDI, a perda de calibre ficou em torno de 40% após dois dias de tratamento, mostrando que houve intenso remodelamento constritivo. Em outra artéria controle no mesmo animal, tratada apenas com gel e placebo após a lesão, a redução do lúmen foi de apenas 10% no mesmo período.

“Após a lesão, ocorre a reestruturação total do citoesqueleto das células que formam a parede do vaso. A PDI participa desse processo e identificamos um possível alvo: uma molécula chamada integrina beta-1. Ela existe na superfície do vaso e serve de intermediária de sinais para a organização do citoesqueleto das células”, contou Laurindo.

Na avaliação do pesquisador, porém, ainda é cedo para afirmar que a integrina beta-1 seja um alvo terapêutico a ser explorado contra doenças como a aterosclerose.

“É possível que o tratamento com uma substância capaz de mimetizar a proteína dissulfeto isomerase ajude a manter o vaso mais aberto após uma lesão. Tentamos fazer isso com coelhos, mas não observamos efeito. Porém, nosso experimento foi feito em artérias sadias. Precisamos agora testar em um modelo capaz de imitar a aterosclerose humana”, disse o pesquisador.

Nem sempre benéfico

Ao mesmo tempo em que avança no conhecimento sobre o papel da PDI nos vasos sanguíneos, o grupo se surpreendeu com os resultados de outro estudo que contrariam a crença de que o ácido lipoico, um poderoso antioxidante, poderia ser um aliado na prevenção de doenças que afetam o sistema cardiovascular.

Dados preliminares do grupo sugerem que o consumo regular da substância pode ser prejudicial para portadores da síndrome de Marfan – distúrbio genético que afeta o tecido conjuntivo e pode causar a dilatação e o rompimento da artéria aorta.

“O ácido lipoico é um suplemento alimentar amplamente vendido em todo o mundo e é considerado bastante seguro. Ficamos surpresos com o resultado negativo do tratamento em camundongos”, disse Laurindo.

O experimento foi feito com roedores geneticamente modificados para desenvolver uma condição similar à síndrome de Marfan. O modelo animal foi concebido pela equipe da professora Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências (IB) da USP.

A doença pode ser causada por diversas mutações – herdadas ou esporádicas – no gene da proteína fibrilina-1. Estima-se que afete uma em cada 10 mil pessoas nascidas vivas.

Entre as principais manifestações estão o crescimento anormal dos ossos, deformidades torácicas, problemas de visão, prolapso da válvula cardíaca e aneurisma de aorta – dilatação de um segmento da artéria que pode levar a seu rompimento e causar a morte.

“A aorta é, essencialmente, um tubo elástico e a fibrilina é o principal componente das microfibrilas elásticas. Em portadores de Marfan, a deficiência da proteína diminui a resistência da artéria e, como consequência, ela tende a se dilatar quando o sangue é ejetado pelo coração”, explicou Laurindo.

Em experimentos anteriores, o grupo do Incor havia observado que os camundongos com Marfan, no sexto mês de vida – quando a doença já está em estágio avançado –, apresentavam na aorta uma maior produção de substâncias oxidantes, como peróxido de hidrogênio e radical superóxido.

Essas moléculas são tradicionalmente consideradas prejudiciais às células, pois podem danificar proteínas, lipídeos e outros componentes importantes para o funcionamento celular.

“Tratamos um grupo de roedores com o anti-hipertensivo losartana e, conforme já havia sido descrito na literatura científica, vimos que o medicamento melhora muito o fenótipo da doença. A aorta do camundongo tratado desde os primeiros dias de vida apresentou, no sexto mês, uma dilatação bem mais discreta que a dos animais que receberam placebo. Decidimos então verificar se o uso do ácido lipoico poderia reproduzir o efeito terapêutico do losartana, mas observamos o oposto”, contou Laurindo.

Os pesquisadores compararam três grupos de camundongos portadores de Marfan. O controle foi tratado apenas com placebo. O segundo recebeu apenas losartana. O terceiro recebeu ácido lipoico. O tratamento teve início quando os animais completaram 21 dias de vida e durou até completarem entre um e seis meses.

Foram feitas análises histológicas da aorta e exame de ecocardiografia. Aos seis meses, foi também utilizada a tomografia de coerência óptica.

“Mostramos por dois métodos diferentes que a produção de substâncias oxidantes estava de fato reduzida no grupo que recebeu o ácido lipoico. No entanto, o aneurisma de aorta no sexto mês de vida estava ainda pior do que no grupo controle”, revelou Laurindo.

Os cientistas notaram que na artéria dos animais tratados com o suplemento antioxidante houve uma quebra mais intensa das fibras elásticas e, consequentemente, um aumento na síntese de colágeno – processo conhecido como fibrose. Isso agravou a perda de função do vaso, fazendo com que ele se expandisse ainda mais do que o dos animais tratados com placebo.

“O aneurisma parece ser uma exceção entre as doenças cardiovasculares, pois os resultados deste estudo sugerem que as substâncias oxidantes – pelo menos na fase avançada da doença – desempenham um papel protetor. Agora pretendemos estudar melhor os mecanismos envolvidos nesse processo”, disse Laurindo.

Agência FAPESP