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Ciência e Tecnologia
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Compostos naturais encontrados nos oceanos podem ter suas estruturas moleculares modificadas a fim de lhes conferir novas aplicações. Esse é um dos trabalhos da bioengenharia, área que também envolve a criação de novas bactérias capazes de fornecer moléculas que não são sintetizadas na natureza. “Por meio da biossíntese, podemos mudar partes das moléculas como em blocos de Lego, a fim de afinar a atuação desses compostos naturais”, disse o professor Bradley Moore, da Instituição Scripps de Oceanografia na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), nos Estados Unidos.
A pesquisa em compostos marinhos para a aplicação em farmacologia teve um intervalo de 20 anos, de acordo com Moore, que contou que substâncias aplicadas hoje no combate ao câncer, por exemplo, foram isoladas na década de 1970, como é o caso da citarabina, molécula extraída de uma esponja marinha e utilizada em tratamentos quimioterápicos.

Moore esteve em São Paulo para participar do Workshop sobre Biodiversidade Marinha: Avanços recentes em bioprospecção, biogeografia e filogeografia, realizado nos dias 9 e 10 de setembro de 2010, na sede da FAPESP.

Segundo o pesquisador, o número de medicamentos oriundos de compostos encontrados no mar deverá aumentar muito nos próximos anos. Isso porque, desde o início desta década, a pesquisa de produtos naturais marinhos foi retomada com a popularização de novas ferramentas em genômica e bioengenharia.

Moore apresentou uma extensa lista de compostos obtidos em biomas marinhos e a partir de seus derivados. Destacou a salinosporamida A, produzida pela bactéria Salinospora tropica, encontrada em sedimentos oceânicos nas Bahamas, que tem apresentado eficácia no tratamento de alguns tipos de câncer.

A pesquisa da salinosporamida A na equipe de Moore ficou sob a responsabilidade da bioquímica farmacêutica brasileira Alessandra Eustáquio, que fez pós-doutorado na UCSD. “Ela teve um papel fundamental no desenvolvimento desse composto”, elogiou Moore.

Além do ramo farmacêutico as indústrias química e cosmética também têm se beneficiado de compostos marinhos. Como exemplos, o pesquisador citou uma molécula produzida por uma espécie de dinoflagelado marinho que se mostrou excelente inibidor de fosfatase e um agente antiinflamatório isolado em corais que é aplicado como aditivo em cosméticos voltados ao tratamento da pele.

A maior parte dessas moléculas é produzida por microrganismos como bactérias, que fazem simbiose com esponjas. “As moléculas marinhas têm em comum o fato de serem extremamente complexas. Para produzi-las em quantidade industrial temos duas opções: a síntese química ou a biológica. Nós optamos pela segunda”, explicou Moore.

Ciência básica

“Precisamos saber como a natureza criou a molécula para poder reproduzi-la ou modificá-la, por isso, precisamos da ciência básica”, disse Moore, ao destacar a importância da pesquisa básica, lembrando que as substâncias são produzidas a partir do rearranjo de blocos que compõem essas moléculas.

O professor da UCSD compara os microrganismos marinhos a fábricas de compostos orgânicos. “Entender como eles trabalham e desenvolver vias para essas sínteses abre uma imensa gama de possibilidades de novos produtos e isso coloca a biossíntese entre as áreas mais promissoras da ciência”, disse.

O desenvolvimento da genômica foi outro fator que contribuiu para a ampliação da biossíntese de novas substâncias. Para Moore, entender como os genes funcionam e como se expressam permite realizar manipulações mais precisas, o que resulta em produtos melhores e com ação mais específica.

Apesar disso, o estudo do genoma também representa um dos maiores desafios ao avanço da bioengenharia. “Uma coisa é fazer o sequenciamento de uma espécie, mas, quando precisamos sequenciar dezenas de espécies simultaneamente, isso se torna um grande problema, inclusive para a bioinformática”, disse.

As mais recentes pesquisas da equipe de Moore envolvem a criação de bactérias mutantes, microrganismos modificados a fim de sintetizar substâncias que não são produzidas naturalmente. “Forçamos as bactérias a produzir algo que não é encontrado na natureza”, resumiu.

No entanto, o pesquisador salienta que o controle em um processo de biossíntese não chega a ser tão grande, como no caso da síntese química. “Como trabalhamos com células vivas, outros processos, que ocorrem ao mesmo tempo, podem provocar efeitos indesejáveis, como a geração de moléculas tóxicas ou a criação de ambientes dos quais as bactérias não gostam ou aos quais elas não se adaptam”, destacou.

Outro problema de se manipular organismos vivos como fábricas naturais é que não há um único caminho para se obter um composto. Certos organismos admitem dezenas de vias diferentes para fabricar compostos, o que torna a produção muito mais complicada.

Há ainda o fato de que as regras válidas para a bioquímica nem sempre saem como o esperado nos meios naturais. “As regras de colinearidade genética são rompidas na natureza, por isso precisamos inventar métodos enquanto trabalhamos”, apontou.

Agência FAPESP